29 de março de 2018

A casa tinha três andares, havia sempre bolachas na despensa, haagen dazs no congelador. Vivíamos em Caxias em frente ao mar. Chegava a casa de boleia com a minha tia, entrava, acendia a lareira e ficava fitando-a à espera que alguém chegasse. Lá chegava a minha mãe que cozinhava qualquer coisa para depois comermos em silêncio à frente da televisão. Todos os dias era igual, as estações iam mudando e aos fins de semana ela ficava no quarto com o seu companheiro. Eu deitava-me longas horas no sofá da sala a sonhar com aquelas que me levariam para um lugar de amor, mas parece que a procurava sempre a Ela, à minha Mãe, a alguém que estaria lá para as coisas boas, porque na verdade, eu e os cães, servíamos para as horas boas. De resto era só um peso e tentava incomodar o menos possível...

Assim se torna a criança em monstro. 
Mas o monstro precisa de amigos.

Imagem relacionada

22 de março de 2018


Não te sei dar sentido, no entanto, houve tanta coisa que através de ti ganhou sentido.
Vinha de uma curva agitada da vida em que as relações que estabelecia eram delicadas, fugazes, faltava-lhes qualquer coisa de mais quente, um encontro de valores e de crenças. E quando apareceste foi muito óbvia a conexão que estabelecemos, a naturalidade com que te encaixaste nos meus dias, como me cheiraste desde logo a casa. Procurava há muito tempo alguém que a incorporasse, que andasse ao meu lado e me soubesse ler os passos.
Os beijinhos que não me deste foram a porta para aqueles que me fui dando a mim. Afinal, não precisava dos teus mas sim dos meus, com a certeza de que a ausência dos teus não significava a ausência de um sentimento mais forte que nos unia, e que, afinal de contas, eu presava mais. Tu também vinhas de uma qualquer curva atribulada, tinhas também tu as tuas vontades, a tua História, e se tanto te queria encontrar, tinha de aceitar que o nosso aparente desencontro em nada falava de mim, do meu valor, mas da nossa soma enquanto duas variáveis diferentes.
Não te sei dar um sentido, no entanto, senti a necessidade de encontrar um.
Foste a ponte que me uniu a mim, vi espelhada em ti a Casa que sempre quis, um sitio onde podia sempre adormecer, onde não era gira ou feia, engraçada ou aborrecida, onde estava e isso chegava. És agora parte de quem sou, estás na memória como estás na vontade. Vontade de encontrar de novo este lugar onde a minha luz existe sempre.

18 de março de 2018

Tenho preparado a minha vida na espera de te ver entrar nela, acender a luz e decorar alguns dos domingos aos quais tenho tentado fugir. Nasci a um domingo numa altura em que parece que o Sol se punha mais tarde do que agora em Agosto se põe. Triste dia para se nascer, em que o mundo fica suspenso, em que a azáfama da cidade se recolhe num silêncio lúgubre. Queria passá-los ao teu lado, tu na tua vida e eu na minha, com a certeza de que era a mesma e que não ias a nenhum lado. Estares aqui para eu descansar, não mais procurar o que tanto anseio. Neste mundo louco, quem sou eu? Vitima, como tantos outros, das circunstâncias, e assombrada com a sensação de não fazer parte de nada, de ser eterna passageira de um Tempo que me foi imposto. Viver para mim... Por mim... E para quê? A metafisica pesa-me tanto como pesa à humanidade. A metafisica ou a ausência dela. Passamos a vida a tentar vivê-la nesta dinâmica de competição com o nosso vizinho, mas quando foi que nos desencontrámos dele? E no entanto, nunca fomos tão sedentos da sua aprovação... Tanta pressa de chegar a algum lado, mas que sitio é esse? Que seja o meu e que seja a teu lado. Que seja o Amor e por Amor, que o resto parece-me vão...

2 de março de 2018

Fedro

           Que luz é esta que me seduz,
           Que falta é esta que me conduz?

Enquanto Afrodite celebrava no Olimpo,
Penia, a da Falta,
E Poros, o das Artimanhas,
À porta conceberam Eros.

Carente e multiforme nasce o Amor,
Patrocinado por Afrodite aparecera
Este movimento inquieto do Ser Amante,
Por se tornar Amado.

Cocheiro com dois cavalos é a Alma,
Thymus e Hybris ao serviço do Logos,
Correm atrás da Beleza,
Não para a Ter, mas para a Ser.

Assim Socrates, Amante por muitos querido,
Fala das Almas que nascem singulares,
Que nunca esqueceram a Beleza,
Que noutra vida conheceram.

Mas é quando o Amante nos braços do Amado,
Se confunde na luz, que do Eros nasce
A mais alta e desejada,
Philia.