19 de junho de 2012

Memórias

Por vezes choro ao pensar que não recebi a graça de Deus, que por muito que pense nele, não o sinto tão perto quanto queria. Penso na minha infância e no quanto tive de suportar as horas infinitas na igreja a ouvir palavras que nunca percebi só porque sim. E hoje gostava de percebê-las, gostava de senti-las mas há muito tempo que me afastei da igreja. Mal vi a minha independência, deixei de frequentar esse sitio. O bom de ter família é que há muitas mãos que me agarram e que me guiam por diversos caminhos, e quando não tive mãe, tive uma tia, tão ou mais prestável que me tratava como uma filha. Eu sabia que a minha companhia era bem vista, principalmente pelo facto de eu fazer bem ao meu primo. Fomos irmão, fomos inseparáveis. Acho que ele é a figura mais marcante da minha infância. Foi com ele que partilhei todos os momentos e foi com ele que descobri a vida. Não havia segredos, nem traição, éramos o cais um do outro, e éramos os vícios e os defeitos que víamos em nós.
E agora penso naqueles dias de primavera em que acordava em casa deles, em que só pedia mais uns minutos de sono mas que a consciência e a cerimonia me arrancavam da cama e me levavam até à igreja. Lembro-me da escola sabatina, das histórias que nos contavam e das musicas que cantávamos em grupo. Lembro-me acima de tudo das pessoas, de como o meu primo sempre esteve mais integrado do que eu, e em como eu me sentia desprotegida entre novas pessoas, pessoas que me pudessem afastar dele. E lembro-me tão bem daquelas caras, daquele medo da descoberta, daquele cheiro a madeira envernizada e do cimento ainda por secar. Lembro-me das diversas salas e de como tudo mudava tão rapidamente. E o culto, naqueles estofes verdes, naquela carpete também ela verde, (pelo menos é assim que recordo e temo confundir com a casa da minha avó), e nós deitados nela, a ansiar pelo fim. E lá está a minha tia, atenta às palavras do pastor, com a bíblia na mão a acompanhar cada palavra com uma seriedade intensa, a minha avó também lá está, e apesar de ser minha avó, ela está noutro universo, não sinto a sua presença, acho que ela está demasiado atenta para me ver. É meio dia, ou será uma hora? Não me consigo lembrar! Contudo é hora de deixar a igreja... A azafama, os ruídos, os sorrisos e o calor ameno da primavera. Todos parecem estar contentes, e eu sempre pensei que fosse porque acabara, mas temo que estivesse errada... Acho que as pessoas estavam apenas satisfeitas... E tudo volta ao normal, até a um outro sábado em que me levem lá.

A minha mãe disse-me ontem que a memória são proteínas, que as pessoas são ignorantes por não saberem o que são as coisas, mas eu não me senti mais sábia por sabe-lo, senti apenas que a memória era afinal uma coisa tão banal e tão desinteressante que achei melhor ignorar a sua origem. Porque a magia está no inexplicável, está naquilo que é natural e complexo. A teoria da medicina nunca me interessou, nunca quis saber como é que o meu corpo funcionava, sempre desprezei a hipotese de me formar em medicina por darem tanto valor a esse lado material e concreto. É preciso perceber para reparar, mas isso não tem a ver comigo. Sempre tive uma memória muito boa que me trouxe muitas virtudes, sempre guardei o que ouvia em gavetas e muitas vezes usei na altura certa. Com isto tenho a dizer que a memória é uma coisa curiosa, nunca pensei vir a escrever sobre essas manhãs que na altura eram de tédio, e nunca pensei que com essas memórias pudesse querer voltar a revive-las.


3 de junho de 2012

Desesperança


Quis mudar, quis ser, quis acreditar,
A luz da mudança foi colhida,
Estava só, estava perdida.
Quis mudar, quis ser, quis acreditar.

Quis voar, quis correr, e quis gritar,
Achei a esperança na vida,
Farta, e a rotina pervertida.                                                   
Quis voar, quis correr, e quis gritar.                                                    

O querer, a ambição, tudo em vão,
As palavras não se fazem ouvir,
E neste presente não cantarão.

Perdi muito tempo a decidir,
A esquecer, a pensar, a construir
O silêncio da minha canção.



Pré-verão

Não quero companhia no verão, não é isso que eu procuro. Não quero estar sempre com alguém, pois a solidão é mesmo isso, é ver pessoas mas não as sentir, pois quem eu quero sentir não terei, e por isso quero o silêncio que me fará avançar sem que ninguém dependa de mim. Vou hibernar durante um verão na esperança de que tudo seja mais feliz no final. 
Ainda nem chegou o verão e já me caíram uma quantas pedras em cima. A primeira foi dolorosa mas rapidamente habituei-me à dor ao ponto de nem a sentir. E hoje as palavras fogem, afastei tanta gente ultimamente, que hoje não vejo o propósito de escrever... As minhas palavras já perderam toda a sua intensidade, e há meses que escrevo sem emoção, há meses que escrevo só por escrever! E qual é a mensagem por detrás de cada texto? É quase inexistente ou é banal, e como fui eu afogar-me na banalidade? Eu era tão mais pertinente há uns anos, era tão fácil de raciocinar correctamente, hoje em dia a experiência diz-me que há várias oponentes a cada ideia. Torna-se complicado de organizar o raciocínio e o tempo é escasso para me dar ao luxo de os ter. À noite deixei de delirar, mergulhei num hábito muito mais saudável, o de ver filmes até adormecer, o que pelo menos deixa-me algo de concreto. 
As diversas distracções mataram o meu espírito, já não sou a mesma pessoa, e por muito que em textos antecedentes tenha valorizado a minha mudança, hoje culpo-a da perda das minhas palavras! Pois da fragilidade nasciam belos textos, da confiança não nasce nada! 
Ainda passo muito tempo sozinha mas já não tenho tanta resistência à solidão e rapidamente alcanço alguém. É por isso que no verão com uma emigração geral, sou simplesmente obrigada a provar o travo amargo da solidão. E por muito que procure, poucos são os que estão perto de mim. E nesse momento o telefone é inútil, ninguém o quer ver, para quê comunicar com o exterior quando temos tudo no interior? O problema é que na maioria dos casos eu fiquei à porta e sinceramente nunca tentei entrar, pois achei que não era a minha casa, mas tentei sempre manter os mínimos laços. Mas da saudade nasceu a obsessão, e rapidamente enlouqueci, até que encontrei alguém que também esperava à porta. E abracei-o, e agarrei-me a ele, e ele deixou-me. Não será sempre esta a história? Nem sempre neste sentido, mas raramente alguém fica para sempre, e mesmo que o corpo fique, muitas vezes a mente já fugiu para bem longe...