6 de abril de 2024

    Lá me encontrei com ela na nossa sessão semanal, onde me sentei desta vez desesperada, abalada pela surpresa de ter ido novamente parar àquele lugar. Como é que isto foi de novo acontecer - dizia eu indignada. Que lugar era sequer aquele. Pronto, lá se fechou de novo, lá me cortou o acesso, lá fiquei eu sozinha no berço a chorar para ninguém ouvir. Lá vem a história do bebé, qualquer pessoa perderia a paciência, sete anos a encontrar-me com ela semanalmente, para ela me ver novamente em posição fetal a chorar pelo abandono que é de outro tempo? Quando o faço esqueço a realidade, e passo a viver no fantasma, na narrativa já construída, no ultimo dia do mundo. E o que ela é? Achas mesmo que tem a ver contigo? Com o teu valor? Leonor, ok, até aos seis anos é admissível que penses que se ela não vem é porque não gosta de ti ou porque és uma merda. Mas se calhar ela não vem, porque ela não está bem, porque ela não quer, e tass bem, porque ao contrario daquele bebé, tu não precisas dos cuidados da mamã para sobreviver. Pa, deixa-te dessa merda, tens 28 anos e vives sozinha há mais de uma década. 
    

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    A verdade é que basta tu chegares para eu parar de viver no fantasma, na minha própria História, e começar a ver a realidade, a que verdadeiramente nos une. Os tais significados, as referências, o espaço comum. Foi tão útil até agora repetir a narrativa, a de não ser correspondida, nunca ter exatamente o que eu queria, porque foi a única forma de olhar para esse bebé, para esse passado que se fazia presente. Ela deixou-te e tu finalmente interessaste-te por aquele tal mal viver, viver mal, que até ai ias perpetuando sem o conhecer. Era necessária a distancia, o bloqueio, para o surgimento do fantasma. Fantasma para o qual olhaste de mão dada comigo, é verdade. E eu sei que valorizas essa generosidade, e é claro que seria redutor falar de não correspondência. Existe, existe de facto a que consegues dar, tu a pessoa real na existência separada da minha. Eu gosto tanto de ti que penso muito em ti, tento ver o  mundo através da tua realidade, às vezes confundo-me, mas não me posso é perder. 
    Há tantas coisas para falar contigo ainda. Onde tu estás há uma expansão, eu mudo de facto contigo, e acho que é por não te deixares nunca ser exatamente o que eu imagino, mas sobretudo, agora que penso, por me lembrares também que sou bem mais para além desse bebé. É que quando estamos juntas, nós encontramos partes de nós que são realmente valiosas. Sentamo-nos na cozinha e falamos enquanto está um polvo cozer, de politica, de metafisica, de família, de coisas que raramente conseguimos partilhar, e todo o conhecimento que temos, tudo o que conscientemente o nosso ego conquistou, a parte mesmo identitária, aquilo que faz o que somos, ganha força através do reconhecimento mutuo. Quando me trazes o que pensaste, e eu te dou o que pensei, estamos tão longe dessas imagens primitivas de nós próprias e passamos para uma posição de empoderamento. A tua opinião é de extremo valor para mim, eu sei que não pairas como os outros na existência, tu estás consciente, tu, como eu, questionas. Aprendizagem, viagens, projetos, vida, tudo isto é muito mais benéfico quando fazemos as duas juntas, e tu sabes, e eu também sei, e é isso que é lindo! É isso é que me faz realmente gostar tanto de ti, é por isso que tanto nos encontramos e é isso que tem de ser aproveitado.