25 de novembro de 2018

Vimos ao mundo, a este lugar de tanta Beleza e dor, e somos naturalmente abrigados no colo materno, num lugar seguro e confortável que nos irá providenciar alimento e calor. O conforto vai sendo semeado através do exterior, daquela alteridade que tão bem nos enlaça e nos mantém em vida. E vão sendo montados os tijolos que vão constituindo a nossa essência, sopro que nos insufla, que dá forma a quem somos. O que dos meus pais não recebi vai me constituindo também, como um espaço oco de medo, eco que me relembra, à noite, quando o mundo desaparece - porque é sempre à noite que o mundo desaparece - que estou sozinha e que a vida só a mim me pertence. Não haverão braços para me amparar. Tudo o que receberei será leite, e tão pouco conforto. As outras mães também morrem, mas vivem eternamente dentro das pessoas, como espaços de segurança e força. O altar foi erguido, e das suas vidas já são mestres. Eu não sou a mais infeliz, eu sou grande e capaz. Se até aqui cheguei, terá sido com a minha habilidade para me expandir enquanto pessoa, para absorver do mundo as ferramentas para nele singrar. A noite volta todavia sempre, triste domingo em que nasci para me desenvolver tão longe do sol. 
Sim, o amor é isto, é a procura por aquele sitio seguro de onde tivemos de partir. Esta urgência toda, este receio de sermos individuais, e todas as odes que fizemos em sua honra, é só uma tradução desse sentimento, do medo, da necessidade de amparo, e dificuldade em assumir a responsabilidade por uma vida que somente a cada um de nós pertence. Não seria eu se assim não tivesse sido, e reconhecer as cores que tenho ajudou parcialmente a calar certas vozes, mas do fundo de quem sou continua a tristeza de sentir que não tenho para onde voltar.
Se cedo descobri que não podia contar com o seu colo como lugar onde podia encontrar segurança e conforto, foi noutros colos que me fui tentando aninhar, devagarinho, sem fazer barulho para não incomodar. Ser envolvida, adormecer e mais tarde chorar toda a dor de não ter tido braços onde me envolver. Não quero mais ser eu, viver na constante contradição de procurar braços que não agarram, pessoas que, como ela, estão lá para as coisas boas. Modelos de auto-suficiência, força e confiança e até de um certo egoísmo. Seres apoliticos, que não estão cá para me ajudar, nem a mim nem a ninguém. Estou cansada de ser eu e de sentir que a minha dor é a maior, estou farta de me crer mais pequenina e de tantas vezes não conseguir descobrir nada que me agarre à vida. E no entanto cá estou eu, continuando a lutar, a desenvolver-me enquanto pessoa, a encontrar luz. Se tão infeliz sou, porque é que não me vou embora? Que fé é esta na Ideia do Outro, que lugar celestial é este que procuro na Terra? Porque é que não aceito os braços que me querem agarrar? Que peso é este, será de mim? Porque é que ninguém quer entrar, quem terá morrido aqui? Terei sido eu? Herança nefasta que me fora imposta, eterno sentimento de ser estrangeira, de estar desafinada, de ser um peso a mais na carteira da minha mãe. Fodasse man, os anos passam e é sempre a mesma merda, que filha da putice.

22 de novembro de 2018


Eles não sabem o que eu sei acerca do amor... Eles crêem que o mesmo é fonte de chagas quando não é ponderado, equacionado, bem medido. Mas é na paixão, nessa insensatez, que floresce a criatividade. E se eles não querem padecer de suas dores, eu não quero padecer do medo de doer! Haverá algo que potencialize de igual forma a tua aptidão para contemplar a Beleza que efectivamente existe no mundo? Não, eu não tenho medo, eu estou viva! E a cada vez que sou abençoada com a luz que elas emanam, volto a ver as cores mais vivas, a apreciar as árvores e o mar e a sentir a urgência em registar o que tão docemente contemplo. Eu estou viva, e o que elas são, serão sempre também em mim, prados verdes e tantas páginas deixadas no mundo, como recordações de dias de sol em dias de chuva.


15 de novembro de 2018

De mim pouco sabem, nem nunca tudo saberão. Serei sempre o submarino que passa lá em baixo, onde é sempre noite, e avistam através da janela o meu tronco erguido num salutar afável. Serei sempre vista de um pequeno rectângulo, para um corpo tão incompleto. Universo só meu, pedaço inefável daquilo que sou. Serei eu e serão vós, ingénuos passageiros desta viagem solitária. Não, não haverá mãe que viva para sempre, nem a vossa. 
Serão sempre como eu, luzes efémeras que incandescem, depois iluminam, até que passam. Serão sempre como eu, passageiros solitários desta escura noite, e será sempre no seu breu que todavia encontrarão outras luzes, e serão elas a própria vida, e nada mais. Alteridade que nunca chega perto do que vocês são, ou do que se estão a tornar, pedaço inconquistável do que o hoje está a fazer ao amanhã. 

8 de novembro de 2018

Estranha Situação

Estranha situação mãe...
Ao pé de ti me encontro
Numa sala grande e vazia,
Onde nunca antes tinha estado.
Estou no chão sentada ao teu lado...

Há uns brinquedos à minha frente,
"É seguro brincar?" pergunto-te com o olhar.
Não sei se me viste, estavas mergulhada
Nesse livro que te levava para outro lugar.
Ou terás tu mostrado que nada me podia magoar?

Do outro lado da porta ouço uns passos,
E não tardo a ver a mesma abrir-se.
De longe apercebo-me do vulto a entrar,
Fito-te então prontamente com o olhar:
"Mãe, é seguro continuar a brincar?".

Nada me dizes mas leio nos teus gestos
Que não me devo exaltar,
Que posso continuar livremente a explorar
O mundo real que se me quer mostrar...
Mãe, olha para mim a tentar!

Confiante caminho para o outro lado
Da sala, onde encontro uma nova forma,
"Posso agarrar?" não, desta vez não
Te vou com esta pergunta chatear...
Mas mãe, não posso deixar de para ti olhar!

Eis que no teu lugar está o vulto que entrou!
Uma senhora feia que não és tu!
Que sonho mau é este em que não estás?
Achei que me levarias sempre,
Para onde quer que vás!

"Não, tu não és a minha mãe!
Olha para os meus olhos e vê
O quão horrorosa tu para mim és!".
Mas da porta surges tu enfim.
"Mas como foste capaz?"

Dizem meus braços enquanto te batem
E te abraçam num pranto infindável
"Como é que tu consegues tanto amar
E tão pouco me saber mostrar?
Não mãe... eu nunca mais te vou largar."