30 de abril de 2023

     Queria ver o real dentro do imaginado, e tantas vezes procurava pelo escondido, mas sempre confundi as pessoas com algo de estático, o quadro da minha mãe, aquele prado ao sol, com um portão no fundo. Uma fotografia, um retrato, a fixação num só ponto de uma ideia que nunca teve a possibilidade de ver o tempo passar, de se transformar. O saturno, a estrutura, só consegue existir com o tempo, tempo que vai revelando os contornos, complexificando as coisas. Ela disse-me que tinha a impressão que eu, por vezes, cristalizava certas ideias que tinha sobre ela, tomando-as como tudo o que existia. Eu, a querer proteger-me, a separar as coisas em bom ou mau, tudo ou nada. Velho hábito, que agora consigo contemplar. Tantos anos para perceber o que é que eu estava a fazer... Eterno eco, leit motif da minha vida, tema que não se finda... Eu quis parar de o fazer, atentando-me ao que era, mas esqueci-me de dar tempo, e só contemplei o seu andar demorado, o que ali estava, no momento, o quadro do prado, instante parado.

    Comigo foi sempre tudo mais urgente. 


11 de abril de 2023

     Na quinta-feira passada, sai do consultório da minha terapeuta chateada, "se sucumbires à sensação, vais perder a realidade" - dizia ela. Eu, insuflada por aquele ímpeto de paixão, não quis ouvir nada do que ela me dizia - "que importa se não for real...". Sinto-me atraída, tenho de ir lá ver o que há para aprender. Ainda nem tinha dobrado a esquina e já lhe estava a ligar, eu a querer provar a realidade do meu sentimento, o quão certo era estarmos juntas - ficámos longas horas ao telefone, a contemplar o quão bizarro era que tivéssemos tanto a dizer. Fui atrás de uma ideia, e voltei com a certeza de que as coisas são sempre muito mais complexas, que eu posso colocar coisas dentro dela, mas ela nunca vai ser eu. A forma como contemplo o sofrimento alheio, como quero cuidar dele, nunca é totalmente generosa a minha intenção. Faço pelo outro o que gostaria que fizessem por mim, confundindo-me com ela, mas no final, ninguém me vai conhecer tão bem quanto eu própria, ninguém vai ser tão capaz de me dar o que preciso, como eu. Posto isto, vale sempre a pena ir, há sempre algo a retirar numa pessoa que aparece, num universo que se abre. 

    No meu dedo, a marca do sol que me queimou desde que te conheço, como prova da tua passagem por mim, mais do que o anel que ficou, a marca como substância de tempo que nos percorreu. Gostava que tivesse passado o verão, gostava de ter visto toda a realidade, para lá da quimera. Gostava de a ter aceite com menos dor, com menos urgência de um agora. Prolongo a nossa história nestas linhas, à procura de a celebrar, honrar, fazer durar. Podia haver mais certo? Talvez, mas acho que o certo é sempre onde estamos.

3 de abril de 2023

 Antes do espírito saber a escolha que fez,

Já lá estava a decisão.

Somos atraídos para o mesmo passado

Que o futuro impõe.

Há sempre alguma coisa aqui

Onde viemos parar. 

Há sempre um pedaço de nós,

No outro - para olhar.

Nunca vou ser coisa outra,

Nem eu, nem tu.

Estamos exactamente onde devíamos estar -

Tu e eu hoje!

Há algo de ti que vai ficar,

Um velho sentimento,

Estas palavras - e quem sabe se -

Pouco mais.

Estavas ali, e eu podia não te ter visto,

Mas tu eras uma parte de mim

A reencontrar, nutrir,

Amar.