27 de setembro de 2013

Propósito

O medo é um sentimento paradoxal, por um lado uma barreira, por outro um impulso. Nunca fui pessoa de ter medo, talvez por me achar invencível, ou talvez por não amar assim tanto a vida. A morte chega inevitavelmente, podemos lutar contra ela, mas quando ela vem, não há nada a fazer. Estive algumas vezes perto de morrer, e algo me salvou. A sorte esteve sempre do meu lado, quando tudo apontava para a morte. Alguém quis que eu ficasse mais tempo, assim como alguém quis que eu viesse ao mundo. Tive muita sorte em ter nascido, bastava um pequeno detalhe para eu não ter vindo ao mundo.
E aqui estou eu. Para quê? Para quem?
Tenho andado a pensar na vida, no seu propósito. Tenho andado a pensar naquilo que não quero ser. Estou aqui porque alguém forçou a minha entrada, alguém apostou em mim, mas para quê? A que devo aspirar? Não encontro o caminho, tenho andado perdida procurando um propósito, é tudo o que quero! Um propósito! Porque não quero passar a vida toda a trabalhar para um dia poder deixar de o fazer, porque nesse dia serei demasiado velha e débil para aproveitar o tempo! E porra, o tempo assusta-me!
Por muito tempo achei tê-lo encontrado na escrita, porque me levaria (com sorte) à eternidade. Mas como saber se a minha escrita ficará? E como saber se será eterna se não se sabe se o mundo é eterno. Quis que me estudassem, que vissem em mim uma inspiração. Contudo esqueci-me de quem o fará. Excêntricos, meros excêntricos. Os outros, aqueles que amo, coitados, eles também serão apenas poeira, e a marca deles será outra, tão inútil quanto a minha. Serei uma dor de cabeça para os excêntricos, terão de decifrar a minha caligrafia rápida, e troçaram decerto da minha altivez. Coitada, sou apenas ingénua... E um dia, os excêntricos morrerão, e virão outros, e progressivamente serei apagada, porque vi no meu reflexo mais do que aquilo que era, tão pequenina, tão descartável... Para onde ir? O que fazer desta vida? Tudo o que eu quiser, porque ainda acredito que tudo está ao meu alcance... mas o que quero realmente? Quem me dera saber...
De súbito entra em mim um enorme desejo de evasão. Porque fiquei quando todos os outros partiram? Talvez me esquecera desta imagem tão tenebrosa de uma Lisboa cinzenta e deserta, que perde o seu esplendor quando a rotina se impõe, uma rotina de desassossego, prisioneira de obrigações e de horários, uma Lisboa despercebida. Tudo cheira a saudade, saudade daquela estação isenta de obrigações, daqueles que davam cor a estas ruas, dos dias que se construíam aleatoriamente em função das caras que cruzava. Uma vida cheia, que face ao perigo encontrava conforto num leito tão familiar, rodeada de pessoas que combatiam a meu lado contra o cansaço e contra aquilo que nos queria deitar a baixo.
Sinto-me só, plenamente só, vejo que todos estão a avançar, a criar novos laços, a descobrirem um mundo novo, e eu estou aqui, agarrada ao que conheço, não me querendo dar àqueles que não me são familiares, por saber que há demasiado que nos afasta, quinze anos que nos separam, quinze anos de recordações numa casa que nos fechou dentro dela, com vista para França, mas tão pouca para Portugal, que provocou um enorme choque cultural quando as portas se abriram e nos deixaram voar. Mas voar para onde? Tudo o que conhecíamos era aquilo...
Do meio do nevoeiro apareces tu, todos os dias, para me salvar desta depressão que se quer impor, vens e Lisboa volta a ter cor e música. E não há ninguém tão capaz como tu, todos me parecem acessórios, e do meu egoísmo nasce a vontade de te dar o mundo. Mas um dia... um dia não virás... e do nevoeiro chegará a mágoa, apenas a mágoa... e ninguém para me salvar...
Temo o dia em que te fores embora, temo-o tão fortemente.

15 de setembro de 2013

Tenho andado a pensar no tempo, na sua tirania, na sua destruição. Na rapidez com que a verdade se torna mentira, e todas as certezas que criámos, tão rápido são substituídas por pontos de interrogação, e muitas reticências. Hoje sinto, amanhã se calhar deixarei de sentir, a única certeza que posso ter, é sobre aquilo que vive no presente. Está bem que todos nós temos tendência em projectar coisas para o futuro, coisas que achamos que vamos guardar para sempre, porém, a vida da tantas voltas, e com tantas curvas e rodopios, há coisas que deixamos, inevitavelmente, para trás.
Não planeio largar-te, mas um dia havemos de atingir a meta, e no cansaço de toda a corrida, partiremos para lados opostos, e o que fora presente, será, nesse momento, apenas uma recordação longínqua, a única coisa que continuaremos a partilhar.
Eu escrevo. Escrevo para não me esquecer daquilo em que outrora acreditei. Escrevo para adiar a meta, para me lembrar do porquê de ter feito a tal corrida, e para poder lutar por aquilo que tive, por uma felicidade desmesurada, aquela que conheci apenas contigo.
E publico, publico para que um dia, quando a distância pesar, te lembres de vir reler aquilo que escrevi para ti, e para que a saudade entre de rompante em ti. Pode ser que a recordação seja transportada para o presente e que o ciclo se quebre, e que a corrida recomece, desta vez para a eternidade.
Que ambiciosa...