21 de março de 2019


Nunca tive a experiência de mim.
Após anos a trocar de perfume
Descobri um que me entra bem na pele
Pelo menos é a primeira vez que tantas
Vozes se expressam para o elogiar
- Eu não sei!

Percebo também que a confiança
Traz luz, torna-me mais brilhante,
Mas o que é que concretamente
Terá mudado na minha forma de
Me manter de pé diante dos outros?
-Eu não sei!

Se ao menos eu fosse atriz de cinema,
Sempre me podia ver a mexer,
Mesmo estando a imitar outro,
Certamente que havia de haver algo ali
Que continuasse a ser meu
-Mas eu não sei

Tudo o que me resta é a solidão
Da minha cabeça, a representação
Do mundo exterior em mim
Tudo o que me resta é o que não sou.

Eu sou a única coisa que eu não
Conhecerei nunca.
Eu, o único lugar que tenho
Para existir.

Nunca terei a impressão de mim,
Estarei sempre cativa dos olhos
Que me souberem ver,
Das vozes que me souberem cantar.

O que eu sou,
Eu não saberei.

12 de março de 2019

Nunca louvei também quem me espera
Ver entrar pela vida dele e me abraçar.
Nunca louvei quem tão bem me quer amar,
Envolver depois do temporal.

É verdade que o barco quase afundou
E que o pai terá naufragado, e eu terei
Todavia sobrevivido ao leme, rumo
A um porto que nunca terá chegado

É verdade que no espaço do marinheiro
Nasceu o meu talento em aprender sozinha
A ler as estrelas, a criar novos caminhos,
Nesse espaço nasci eu à deriva.

Que importa o que foi e não outra
Coisa mais será... Que importa
Se não se esqueceu, e se tão bem marca
O que de tão bom também o meu corpo terá.

Espaço criativo para ser o que sou
Apenas por ter de simplesmente ser,
Por no espaço do que era suposto
Existir somente aquilo que É.

11 de março de 2019

Os meus lamentos não me servem à Poesia,
Eles não são se não sintoma fisiológico
Ao qual a Poesia tenta atender
E transformar em algo mais que cansaço.

Não sou outra coisa se não só eu,
E a Poesia não morará mais em mim
Do que em qualquer outra pessoa.
Afinal a Poesia não é se não cansaço..

Tédio captado em palavras, desesperança
Posta em versos e cantada em
Teu nome, meu amor, tu a única
Capaz de transformar cansaço em estrofes.

7 de março de 2019

Há sempre duas tendências predominantes aquando observamos um fenómeno: a de observar à luz do Bem, e à sombra do Mal. Velha dicotomia, herança de Nosso Senhor. Há algum tempo atrás comecei a reinventar o meu passado, a aprender a encontrar-lhe algum encanto, reconstruir as pontes entre o que fui, o que sou hoje e desejo ser amanhã. Parece que sou eximia em encontrar causas e altos ideais para aquilo que quero ser, aumentando continuamente a discrepância entre aquilo que é e o que devia. Pouco dotada serei então para aceitar o que ainda não é - e maldito seja este advérbio que não me deixa só ser. Parece que ando muito presa numa consciência sobre-humana, e parece que não consigo aceitar que o meu corpo existe, e que os seus desejos primários têm lugar dentro do que sou. Sobretudo quem sou eu? Se não tenho medo de me reivindicar de forma original, parece que nem reconheço a coragem que sublinha esse gesto. Parece que sou tão boa a louvar o que não é meu, o que pertence às ideias, o que pertence às causas, e aos Outros, que me esqueço também que existo e que sou corpo ao qual tenho de atender e fornecer calor. Afinal terá sido assinalado o afecto como uma das variáveis fundamentais para o desenvolvimento de uma criança. E pouco me importa o que aconteceu - ou não aconteceu - dessa experiência não é mais a tristeza que ecoa, mas talvez a revolta por ter herdado dessa tendência para desprezar o que sinto e preciso.
Na verdade foi através desta capacidade de cuidar dos outros, de lhes atender às necessidades, de encontrar conforto para todos, que fui cultivando boas e sinceras relações. O mesmo não terá sido possível num contexto mais intimo, e bem posso tentar arranjar características externas, mas terei de aceitar e desconstruir a responsabilidade que terei então na relação que eu ajudo a estabelecer. Afinal a sina não está traçada, não tem de ser como sempre foi. Quem quero enganar... Eu também quero afecto, prazer, felicidade...