24 de fevereiro de 2023

     Lá em casa tu nunca pudeste existir como coisa separada deles. A tua mãe sabia sempre o que era certo, ela que raramente erra. Para o teu pai, eras toda a sua vida, e ainda havia a tua irmã. Lá, em casa deles, tu nunca pudeste ser muito diferente, herdaste os seus costumes, e a ausência da possibilidade de um espaço psíquico, diferente do deles. Vocês, organismo vivo, sistema fechado. Leais, unidos, protetores. Tanta clausura não te permitiu ser, e tornares-te quem és, apesar dos anos que viveste fora. Na ausência do ser, ficou somente o parecer. Parecer o que era esperado, corresponder ao que procuram - eles, os teus pais, eles, os primeiros. Pelo exterior sempre te regraste. Procuraste sempre no mundo, mais do que nas tuas vontades. Que estamos aqui a fazer, qual o sentido das coisas, qual o nosso lugar no mundo, que importa, viras-me as costas, vais ao espelho porque estamos de saída. Pegas no lápis e contornas as tuas pálpebras.