31 de dezembro de 2020

 Com a consciência do peso que teria este ano, acabei tatuando 2020 na perna. Evidentemente que a pandemia teve impacto na minha vida, a na minha liberdade, e que os livros de história falarão certamente dela, e todavia, não era apenas a esse peso que me referia. Em silêncio fui carregando o fardo de vir a ser provavelmente o ano da morte da minha mãe, mas mal sabia eu que a morte é só uma das possibilidades, e quando ela não vem, existem todas as outras. Mágoa, sofrimento, doença, inveja. 

Se eu li nos astros a dor que sentiria ao olhar para ela, se tanto temi o fim da sua vida, certamente que não antecipei que tudo podia ser sempre ainda pior - e ainda assim a morte não vir. 

Este ano ela foi operada a uma hérnia, a operação correu mal, apanhou uma bactéria, ficou mês e meio internada, achei que nunca mais ia andar. Dois meses depois, na segunda oposição neptuno/lua, foi encontrada a ter convulsões devido a um primeiro ataque epilético, nesse dia a minha tia preparou-me para a sua morte, mas a minha mãe não foi a lado nenhum, nem teve sequelas. Na terceira oposição lua/neptuno, foi roubada por aquele que achávamos ser o seu melhor amigo. À retrospetiva consigo relacionar os trânsitos dos planetas com os eventos da vida, todavia, este ano sabia que haveria muito sofrimento e que seria por ela patrocinado, pela dor que eu não conseguiria aliviar, pela a vida que não poderia viver por ela. Olhei para os trágicos acontecimentos que a minha mãe viveu, com a recordação de como ela era, antes de tudo. Nunca em 2018 pensei que o AVC tinha sido apenas o principio de toda uma cadeia de eventos, dos quais nunca teria superado sem a terapia que faço, sem a namorada que tenho, sem os amigos que nunca deixaram de estar a meu lado - aqueles que importam. 

Nas águas profundas do sofrimento, encontro alguma humildade, curvo-me diante da dor para celebrar também a união entre as pessoas, o amor universal, a empatia, a vulnerabilidade face à vida, face ao que pode chegar. Mais do que lembrar os eventos felizes, quis tatuar um ano que me iria para sempre transformar na pessoa que eu serei para sempre.