25 de janeiro de 2022

 

Do sítio de onde eu venho as coisas são todas estranhas. Os adultos são complexas miragens que encadeiam até que se apagam, e surgem de novo num outro lugar. Eles vivem dentro de mim e nunca se estabelecem num corpo só. Afinal, deles captei tantas imagens que se sobrepõem, até que se contradizem. Lá, junto deles, naquela primeira casa, eu nunca consigo mantê-los inteiros. Ao invés disso, são pedaços fragmentados, memórias que flutuam no sótão da minha infância, ora divinos, ora cruéis demais.
Saio do baú e volto-me para o mundo. Passo a tarde sozinha e eles batem-me à porta para me dizer que de nada valho. Nada valho também quando falho, quando não me esforço para ser o melhor de mim. Surgem logo eles de espelho na mão para me o mostrar. Eu, o réu à beira da pena máxima, eu a ouvir os coros dos adultos que conheci, adultos que vivem em mim - tu não és digna de ser inteira. Fujo deles, procuro os meus semelhantes, e danço, e corro, e até me apaixono, mas na sombra de cada divergência, a convergência de tudo aquilo que me disseram antes. Eu não valho, e não valho sempre que falho. Nenhuma estrutura que vença os vendavais que me afastam dos outros. Eu que deles tanto preciso, eu que só existo nessa relação em que eles me erguem, em que eles me espelham, em que no reflexo me valho, em que no reflexo me falho.