15 de fevereiro de 2017

Vivo no último andar de um dos prédios mais altos da minha cidade. Da minha janela consigo contemplar os quatro cantos da mesma. Mas há um recanto dela que me seduz particularmente, um espaço à beira rio, na outra margem, onde julgo ver a felicidade morar.
Apesar de viver num último andar, tenho a infelicidade de receber o sol pelas costas, de nunca o ver entrar pela janela. O sol banha precisamente aquele tal recanto à beira rio. Passo grande parte do tempo à janela, onde mais passaria? Vivo numa casa pouco mobilada, cheia de baús e de caixas de cartão que me relembram quem por ela passou. Há algumas relíquias, algumas obras de arte, pedaços de ternura que se foram cobrindo de pó e perdendo o encanto. Tudo amontoado, pronto para o dia em que me mudar para aquele pedaço de céu que tão alegremente contemplo da minha janela. O Sonho é filho da Falta, e vive, sem dúvida, no Futuro...
Às vezes debruço-me sobre a janela, aparelhada de uns binóculos que herdei de um qualquer ser que aqui morou, e investigo o que se passa naquela baía ensolarada. Julgo ver-te certas manhãs a passear pela areia, pareces feliz, a julgar pela vivacidade com que percorres a praia. Imagino-me ao teu lado, banhada pelo sol, encantada pela tua melodia, uma que nunca sequer ouvi mas que já acaricia tão suavemente o meu coração.
Hoje quando acordei estava a chover, a cidade cobria-se de um nevoeiro cerrado, como um manto opaco a baixo do nível do meu andar e, por uma vez, a cidade tinha desaparecido e não havia mais sol para iluminar aquele tão cobiçado pedaço de terra. Nada. Nada para contemplar. Virei costas para a janela, assustada, e comecei a olhar para a minha sala. Quem iria querer passar tempo numa casa que vive presa na Recordação e debruçada sobre o Sonho?

Se todas as noites adormeço embalada pela tua melodia, aquecida pela ideia de viver naquele sítio do qual só conheço a forma, não será de mim que vem todo o calor que concebo a tal Sonho?