23 de janeiro de 2023


Novembro 2021


Clivo a pessoa que ela é, como defesa primária,

À falta de melhor, foi esta que aprendi. Bom e mau, é o que existe. - Por agora, deixo o mau de parte, Por mais que tente, nem o consigo ver. Que dádiva! Que terei eu feito para a merecer? Mas depois eu mostro o que gosto, no espelho que ela se tornou,
vejo cara feia, sou eu que lá estou,
não aceite, reprovada. O que quer dizer não gostar de algo que eu aprecio, algo que é meu? Ela não é extensão de mim - não haverá a fusão num ser indiferenciado.
Ela é diferente, ela é separado. Ela pode-me deixar. Entristeço me, recordo-me do passado. O objecto balanceou para o pólo errado Ela é má - penso irada Clivo para o lado do diabo e coloco toda a agressividade nela. O círculo completo a funcionar - Há algo em mim que não suporto Com o qual ela se vai identificar Ela vai-me abandonar se eu não parar...

9 de janeiro de 2023

    Nunca me tinha sido prometido tamanho amor. Era longo, forte, resiliente, tinha tantos planos para depois de amanhã. Nesse amor vivia o desejo de nos unirmos, de nos multiplicarmos, de nos vermos envelhecer. Somente o amor materno tinha alguma vez ecoado a eternidade, mas, ao invés desse amor eterno, acabei recebendo a eternidade do desamor materno. Esse desamor levou-me sempre a procurar noutros lugares o que nunca tivera, mas há anos que percebia que nunca do outro teria essa promessa de uma forma irreversível. Nunca se deixa de ser mãe, nem se deixa de ser filha de uma mãe, mesmo que ela já não cá esteja, é presença constante de uma ausência, em nós.
    Esqueço-me muitas vezes do meu processo. Esqueço-me das horas que consagrei à procura de mim, esse trabalho exigente e constante, que me trouxe tantas inquietações - e também alguma paz. Essa procura sempre esteve em mim, talvez por defeito, pelo que nunca me lembrei de pensar que os outros não eram assim. Quando a conheci tive algum receio, mas ela tinha tantas certezas que eu descansei as minhas dúvidas. Julgava-a tão certa de quem era, do que queria - e eu não. Estava ali, aquele prado que a minha mãe pintara há uns anos - estava ali! - mas ele não estava mais deserto, nele estávamos nós, e a nossa família.
    Infelizmente a vida não é quadro parado, existe fluxo, movimento e uns quantos tumultos. O prado teve dias lamacentos, que acordaram em mim o terror de o voltar a ver vazio. O incondicional a ganhar condições. O meu reflexo nela, o meu caráter a ser posto à prova - teria sido realmente eu a afastar as pessoas da minha vida, do meu passado? Eu no centro da tempestade, eu como não merecedora de qualquer final feliz. 
    No fundo de mim a mais terrível angustia de ser rejeitada, abandonada, outra vez. Mas depois, quando aconteceu eu percebi que fiquei eu, e que não foi assim tão mau. No final ela nada sabia de si, e eu tudo vi, e antevi, e sofri mas não morri. Não consigo fazer outro luto, não consigo perder mais ninguém. O medo a ganhar à realidade. Vivi toda a dor de a perder, todo o medo, e no final, encontrei-me a mim. Perceber que fiquei eu e que está tudo bem, foi aquilo que me libertou. Onde estava a angustia estava mesmo a liberdade.