31 de agosto de 2021

Quis dar aos outros a responsabilidade de me salvarem, fazerem-me sentir bem e protegida, e não houve outro que o fizesse por muito tempo. Do fundo de quem sou emergiam velhas memórias de rejeição, de abandono, de tristeza, que me levavam a colocar fora de mim as mesmas expectativas. E como sempre são as profecias, acabam por se cumprir com a nossa ajuda, sem mesmo que o saibamos. Nas entrelinhas dos nossos comportamentos, estão implícitas algumas crenças que ajudam o outro a portar-se exatamente como esperamos. 
Se não houve outro que me ajudasse, eu muito o desejei. Nunca quis castrar, exigir ou ocupar o espaço de alguém. Aquele espaço não era o meu, era celeste demais para mim. E eu tinha de mudar se o queria merecer. Eu tinha também de ser algo, de ser alguém, de estar à altura delas. Nunca percebi que o que via nas outras pessoas era o que eu tinha já dentro de mim. À retrospetiva, longe dos meus sonhos, elas eram só elas; reias, falíveis, sempre menos do que eu pensei - e mesmo assim - como as amei. 
Ainda que eu tenha de ser cada vez mais eu, e cada vez menos elas, saio de casa e estou na rua embalada pela tua presença. Tua presença em mim, como testemunha do que sou. Através da ideia de me estares a ver, eu vivo as minhas potencialidades, ponho-me à prova, vou sempre para além de mim, tudo para ti. 
Eu sei o que estão a pensar - não devia ser por ela...! Todavia, se atentarem à frase anterior, não foi nada disso que sugeri. É tudo por mim, mas é para ela, se assim não fosse, não ia valer a pena. 

6 de agosto de 2021

 Tenho pensado que na vida as coisas quando vêm, vêm em grandes quantidades. Há escassez e depois há abundancia - pouco dinheiro, muito dinheiro, muitas oportunidades de trabalho ou nenhuma. 

As pessoas que tenho conhecido têm sido representativas disso também. Há qualquer coisa em mim que está a emanar algo que as atrai. Quanto mais amor eu tiver para dar, mais pessoas chegarão para o receber.

O padrão serve, até deixar de servir. Ontem, apaixonada, preguei que tudo no fim ia dar a ela - e ainda bem - reparei que a minha terapeuta se inquietou - já estávamos tão longe destas ideias nobres, idealistas, devotas. Mas eu não posso todavia ensinar ninguém as virtudes de um amor assim tão nobre, cúmplice, profundo. Na superfície temos as pulsões do ego que nos puxam para que fechemos o outro nos nossos desejos, impedindo-o assim de se expandir, com medo que ele o faça longe de nós. Mas este amor não é assim, ele é companheiro e transcende a temporalidade, é suporte, é apoio, é amigo, sobretudo amigo. Domínio da ética, Bem para o outro, celebrado pela estética. Ajuda as pessoas a chegarem perto delas próprias, por ser um amor que ouve realmente o que o outro está a dizer, por se demorar nele, aceitar os seus tempos, as suas relações. Eu sei que já quis que o outro cuidasse do meu sofrimento também, mas agora é diferente - ninguém precisa de me salvar, ninguém me vai oferecer o melhor lugar do mundo - porque a verdade é que eu própria é que o sou e quem quiser que venha nele adormecer, encontrar paz e a si próprio também. 

Afinal, é uma sorte ter alguém como eu, só eu é que não sabia.