21 de junho de 2021

Há tanto tempo atrás, nos tempos primitivos do meu ser, eu fui a mesma, mas um pouco menos vincada. Fui pondo os pés no espaço, esperando que se me fossem impostos limites, e alguns foram. Foram algumas vezes mãos pesadas na minha cara, e a sensação de que não era propriamente justo. Eu era atenta o suficiente para conter os meus impulsos e arrumar-me num lugar onde não incomodasse ninguém - para quê estas descargas emocionais? Eu na realidade muito cedo fui colecionando motivos, levantava-me à noite, no patamar superior das escadas, e ficava a ouvir os meus pais a gritar um com o outro. Lamentava que estivessem tão infelizes, não queria ser mais um motivo para contribuir para as suas preocupações- afinal, eles eram tudo o que eu conhecia... 
 Assim, sacrifiquei a menina que eu era, e dei a mão às minhas capacidades intelectuais afirmando-me assim, por modelagem fraterna. Efetivamente encontrei uma forma funcional de me desenvolver longe de chapadas na cara. Na tradição do que sou, a eterna dificuldade em afirmar o que sinto como coisa válida, pelo facto de o ser. A contenção de impulsos, urano a fervilhar lá em baixo - debaixo desta aparência de Poeta Virtuoso do século XIX. Mão atrás das costas - faço tudo o que quiseres. Mas cuidado, por detrás dele a personagem secundária é muito mais tirana, violenta, capaz de aniquilar - ela que grita que não é justo, enquanto destrói a tua vida. Se tivéssemos de reduzir estas personagens, iriamos até à unidade emocional na qual se condensam, a raiva e a tristeza. E se fossemos ampliar até ao conceito mais alargado, encontramos Neptuno e Úrano no fundo do meu céu. Tristeza sem raiva é apatia, depressão. Raiva sem tristeza, fica somente tirania. A tristeza trouxe a idealização, universo onírico onde eu podia criar uma outra realidade, criatividade para pensar outra coisa. Raiva trouxe ação, incapacidade de resignação, vontade de superar. Não sou só a mesma, ao serviço dos meus sonhos ponho o meu passado, potencial fecundado a partir das adversidades.

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