13 de julho de 2017

Pouco deixei registado sobre ti, e sinto qualquer coisa de urgente em fazê-lo. Se até hoje me imaginei num futuro de chagas consecutivas, de constantes reconstruções, vida de artista sem arte para dar, hoje não é mais isso que desejo, e tudo isso se deve à tua passagem por mim. As pessoas têm tendência a repetir padrões e a achar que "vai ser sempre assim", oxalá que não seja, quando o que é só enche de lixo, só enrodilha cada vez mais o novelo, em vez de desfolhar até ao núcleo. Eu quis ser artista porque sentia que à minha volta ninguém sabia amar, ninguém sabia sofrer, todos se limitavam a passar, a deixarem-se ser, a deixarem-se guiar por quaisquer ideias que lhes possam ter emprestado. E eu tinha aquilo, aquela forma de me entregar em nome do amor, então decidi que seria artista. Mas mais do que fazer arte, há muito que o que mais procuro na minha "arte", é a mim própria. Quem sou eu e o que é que eu quero ser?
Hoje creio que sempre existiu uma contradição entre o meu desejo e a minha arte. Espelhava a vontade de te alguém, de ter calor, de harmonizar o ambiente à minha volta, de o tornar mais frequentável, mas as minhas acções e o cultivo de tudo isso em prol da arte que ainda estava para vir, não me deixava ser aquilo que queria; ser feliz. Se não tive braços para me envolverem, hoje é claro o meu desejo por ter quem no meio deles se envolva, por me estender para além de mim num lugar de amor. Hoje anseio por projectos mais sólidos, por deixar o mártir que fui alimentando e me erguer diante do mundo. Há mais pessoas a sentirem, a saberem amar, a cantarem tudo isso bem melhor do que eu e a minha causa não é mais essa, mas talvez seja através dela que consiga estar mais próxima do que quero. Há qualquer coisa para mim e sinto-a a chegar. Creio, ou adivinho, que essa mesma passará por ajudar os outros, não fosse eu figura empática, e não tivesse eu tanta facilidade em ceder as minhas vontades em prol da dos outros. Aceitá-los, guiá-los, ajudá-los a lidar com o mal que neles reside. Encontrar também para eles um lugar. Creio que também me tenhas ajudado nesse ponto. Dediquei estes últimos meses à tua causa, e creio que te terei ajudado a chegar mais próximo dela, a fazer-te entender qual a tua luta e a combater junto de ti por ela. Todavia ainda reside em mim a tendência ao mártir, a lamentar ser que não queira comigo também combater a meu lado pela minha causa. Mas tu não estavas pronta, e eu balançava entre querer isso e saber que nada por mim podias fazer, que a luta era só minha. Creio que te esperam, assim que limpares aquilo que te atrapalha, caminhos criativos, não tivesses tu em ti toda essa leveza quase infantil que foste preservando, e não é dela que nos temos de livrar, mas é a ela que temos de afinar, direccionar para coisas que te façam mais capaz, ou mais segura do que és. 
Os nossos caminhos cruzaram-se e com tudo isso veio o desejo de nos multiplicarmos, todavia não posso pedir que seja esse o teu desejo no Presente, quando nem sequer pode ser o meu ainda. Ainda estão para vir muitas lutas que nem sequer adivinho, muitas pessoas para me transformarem, muitas conclusões por reabrir, por continuar a estender. Mas contigo veio a certeza de que quero ser feliz, de que quero amar, de que quero cuidar, e sobretudo, de que quero todos os dias lutar para estar mais certa do que sou, afim de me conseguir livrar desta tendência ao pranto, ao lamento, e ser inteiramente para os outros, não mais me arriscando a deixá-los ter um papel activo numa luta só minha. Se souber quem sou e o que quero, poderei ser sem que haja quem me faça duvidar das minhas escolhas e do que é a minha luz.

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