9 de janeiro de 2023

    Nunca me tinha sido prometido tamanho amor. Era longo, forte, resiliente, tinha tantos planos para depois de amanhã. Nesse amor vivia o desejo de nos unirmos, de nos multiplicarmos, de nos vermos envelhecer. Somente o amor materno tinha alguma vez ecoado a eternidade, mas, ao invés desse amor eterno, acabei recebendo a eternidade do desamor materno. Esse desamor levou-me sempre a procurar noutros lugares o que nunca tivera, mas há anos que percebia que nunca do outro teria essa promessa de uma forma irreversível. Nunca se deixa de ser mãe, nem se deixa de ser filha de uma mãe, mesmo que ela já não cá esteja, é presença constante de uma ausência, em nós.
    Esqueço-me muitas vezes do meu processo. Esqueço-me das horas que consagrei à procura de mim, esse trabalho exigente e constante, que me trouxe tantas inquietações - e também alguma paz. Essa procura sempre esteve em mim, talvez por defeito, pelo que nunca me lembrei de pensar que os outros não eram assim. Quando a conheci tive algum receio, mas ela tinha tantas certezas que eu descansei as minhas dúvidas. Julgava-a tão certa de quem era, do que queria - e eu não. Estava ali, aquele prado que a minha mãe pintara há uns anos - estava ali! - mas ele não estava mais deserto, nele estávamos nós, e a nossa família.
    Infelizmente a vida não é quadro parado, existe fluxo, movimento e uns quantos tumultos. O prado teve dias lamacentos, que acordaram em mim o terror de o voltar a ver vazio. O incondicional a ganhar condições. O meu reflexo nela, o meu caráter a ser posto à prova - teria sido realmente eu a afastar as pessoas da minha vida, do meu passado? Eu no centro da tempestade, eu como não merecedora de qualquer final feliz. 
    No fundo de mim a mais terrível angustia de ser rejeitada, abandonada, outra vez. Mas depois, quando aconteceu eu percebi que fiquei eu, e que não foi assim tão mau. No final ela nada sabia de si, e eu tudo vi, e antevi, e sofri mas não morri. Não consigo fazer outro luto, não consigo perder mais ninguém. O medo a ganhar à realidade. Vivi toda a dor de a perder, todo o medo, e no final, encontrei-me a mim. Perceber que fiquei eu e que está tudo bem, foi aquilo que me libertou. Onde estava a angustia estava mesmo a liberdade.

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