26 de junho de 2018

Nasci condenada a ser uma extensão da minha mãe, um local onde se podiam verificar as consequências dos seus erros, da sua irreverência. 
O jardim inglês da minha avó está extremamente ordenado, para cada planta, a inscrição do seu nome em latim. De canteiro em canteiro, caminhos fabricados pela sua mão protestante. A alta posição dos meus avós no hospital, serve sobretudo para viajar, quase sempre de carro e para os aposentos mais económicos. A minha mãe, mais velha, procurou desde cedo emancipar-se da tutela despota da minha avó caindo num caminho solitário de criticas e apontares de dedo. Verificou-se em nós, os filhos dela, qualquer Falta que o desleixo dela trouxe. O esforço de não impor a sua vontade, trouxe exactamente o oposto, trouxe uma certa negligência que se terá verificado com mais força em mim. O primeiro filho era o primeiro, não tinha com quem brincar, a minha mãe ainda lá mantinha o seu casamento alegremente e o levava a passear. E depois vim eu ao mesmo tempo que o meu primo, e tivemo-nos um ao outro para nos entretermos. Fiquei entregue ao meu irmão, à mãe do meu primo, às minhas empregadas. E depois, com alguma violência, tudo se terá desmoronado e eu ficara sozinha numa casa grande e isolada. O meu irmão a léguas daquele inferno. Ele sempre fora perito em fugas. 
Quando tinha nove anos lembro-me da minha tia afirmar piamente: "A Leonor de certeza que vai fumar". Lembro-me de ter pensado que "claro que não", ter-me sentido indignada. Da minha avó me ter fechado na cozinha uns anos mais tarde e me ter dito que o meu pai tinha problemas com o álcool, e que eu não podia beber porque teria muita tendência ao alcoolismo. Anos mais tarde verificava-se, eu era aquela merda que achavam que eu seria, eu bebia e eu fumava, pior, eu estava-me a destruir, eu era alcoólica. O que interessava que o meu primo fizesse o mesmo? Eu era a prova para verificar que a minha mãe estava errada, e a minha avó certa. Afinal olhem para mim, quase 23 anos e onde estou eu? Não tirei um curso e bebo várias noites por semana. 
Herdei alguma Falta e tenho dificuldade em assumir a minha força. No fundo tenho, como ela, seguido um caminho solitário de criticas e apontares de dedo. Na família feliz que somos, é o que fazemos melhor. O que sou, o meu código ético, os meus valores, os meus talentos, que importa..
"Agarra-te ao dinheiro Leonor" - Sim avó, com as duas mãos avó! O dinheiro sempre me salvou, a mim e a vocês dos fardos mais pesados e da doença que corre inevitavelmente.
Seja eu a irreverente, mas que o seja pela compreensão e pelo desvendar do que nos aconteceu, a todos, sem termos tido escolha. Seja eu a irreverente que diz que não vai por ai. 

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