18 de março de 2014

Quando, noutros tempos, tentava alcançar aqueles seres que se fizeram divinos, vivia por mim, para matar um desejo só meu, uma fome incontrolável do inacessível. E por muito que esses seres me condicionassem, davam um sentido à minha vida. Viver para lhes tocar, porque tocar-lhes era viver. 
A conquista sempre fora uma fonte de inspiração, e quando o objecto visado se aproximava, eu assustava-o para poder correr atras dele, correr através da mata densa e seca. E eles escondiam-se em cima dos sobreiros mais altos, e quando tentava trepar e alcança-los, eles voavam, e eu saltava, abrindo as asas que não tenho, desafiando as leis da gravidade. A queda deixava-me imóvel junto da terra seca e tórrida, e uma voz murmurava "tens de parar, vais acabar por te matar", mas a sede que tinha era mais forte e calava a dor e levantava-me do chão. Coberta de poeira, a coxear, lá ia eu, de novo, rumo ao supremo orgasmo.
Depois de inúmeros quilómetros de corrida, e de uns quantos braços partidos, acabava sempre por encurralar aqueles pássaros que de mim fugiam. Quando os tive na mão pela primeira vez, provei a suprema felicidade, o mais intenso dos orgasmos. Porém, na minha mão, rapidamente os pássaros morriam.
E um dia apareceste tu, uma pessoa como todas as outras habitantes da terra. Entraste na minha vida sem que te convidasse, e nunca esperei que ficasses tanto tempo. Ja la estavas, e agora? Esperei o fim como uma fatalidade. Porque tudo acaba, porque o pico da montanha já tinha sido alcançado. Todavia, não sabia eu que era só o inicio, e que ainda havia muito por onde subir. 
Fui arrancada do meu leito familiar, daquele liceu que me acolhera durante quinze anos, e encontrei-me face a um mundo que me era alheio. Tinha tudo para me perder, para me entregar à mágoa, contudo, tu estiveste lá e construíste outro leito.
Tomei más decisões, tomei-as por ti, para te manter por perto. Se me arrependo? Não, voltaria a toma-las, vezes sem conta, desde que elas te segurassem por mais um dia que fosse. Abdiquei do mundo durante meses, dedicando-me de corpo e alma a ti. 
Aprendi a amar os teus defeitos, a calar os meus e apreciar aquilo que está mesmo ao meu lado. E tu, tu ajudaste-me a calar a minha loucura, como mais ninguém conseguiu.
Guardo muitas recordações nossas, mas tudo me parece tão distante. Quem era aquela que se dava a ti? 
E um dia, porque este dia chega sempre, tu saíste pela porta para nunca mais voltar. Quando é que te perdi? Quando é que me fiz pequena aos teus olhos?
O pranto que senti quando me deixaste é inenarrável. Creio que nunca sentira tanta dor. E creio que ainda é cedo para falar sobre essa mesma.
Bref, deixaste-me sozinha, e quem era eu sozinha? Se durante sete meses, contrariamente a ti, vivi contigo dentro de mim, com os teus problemas, com os teus desejos, com as tuas mágoas. Dei-te a minha vida inteira e tu roubaste-ma. Sozinha, com a vida toda pela frente, mas sem nada que me desse vontade de a viver.
Achei que me deixaria morrer, ate que, por uma vez quis lutar, quis viver. Fui respirar outros ares, fui procurar aquela que se perdera em ti. E numa noite, é sempre numa noite, um anjo abriu as suas asas e envolveu-me no seu abraço enquanto sussurrava ao ouvido que não voltarias, e mostrando-me simultaneamente todo um mundo de possibilidades. Para quê procurar quem me matava, quando tinha quem me curasse? 
Voltei a Lisboa com um novo ímpeto. Queria arrumar o caos que se tinha instalado, lavar-me e repensar um pouco na minha vida. Decidi largar o passado e construir tudo de novo. Sentira, nesse momento, que acordava de um sonho, que renascera e que estava finalmente sóbria. Mas quem era eu? A eterna duvida.
Experimentei mil e uma facetas do meu ser, e no final, só me confundira ainda mais. Posso ser tanta coisa, mas quem quero ser realmente?
Vim para Paris e em vez de construir algo de solido, instalei-me na primeira barraca que encontrei, e em vez de trabalhar, limitei-me a penar nas ruas, e em vez de te esquecer, continuei a agarrar-te.
E os dias passaram e a distancia deixava entrar a desesperança. Não podia continuar a agarrar-te mas também não sabia como ter as mãos vazias. Então projectei a esperança no primeiro ser que encontrei, e apertei-o, e sufoquei-o. Leo, porque não consegues viver sem um ser em mente? Porque é que vês no amor uma cura? 
E cá estou eu, no chão, de mãos a abanar, depois de ter querido voar, com as asas que não tenho, e lá está a voz que me diz que tenho de parar. E desta vez, porque a tua passagem deixou marcas, escolho voltar para casa afim de sarar as minhas feridas. E espero por ti, esperarei eternamente por ti.

Voltarás um dia? 


2 comentários:

Fernando Ferreira disse...

Leonor, escreve mais. E continua a tentar sem medo de falhar, mas caso falhes, falha sempre melhor.

Fernando Ferreira disse...

Leonor, se por viveres em época crespuscular te sentes em desaire, depura o teu sentimento e afina a tua escrita, pois a Musa guiar-te-á por novas páginas em branco à espera do teu cálamo.