3 de dezembro de 2013

Catástrofe

Quando todo o universo nos cai em cima. Quando a crise, ou a guerra, são apenas faits divers, quando a dor de cabeça que sentimos devia ser, a nosso ver, a notícia que corre em todos os telejornais. Por nos parecer, nesse preciso instante, que nada de mais terrível acontecera algum dia neste mundo. Somos nós, nós e uma dor de cabeça tão forte, daquelas que não deixam espaço para qualquer sensação. Não está calor, não está frio, não temos sono, não temos fome, toda a vontade se concentra num só ser.
Curioso é que acreditamos, com toda a nossa força, que nunca no passado sentimos algo de tão intenso. Mas a dor já cá morou, com tanta ou mais intensidade um dia se mostrou. Mas hoje, hoje parece o primeiro dia.

Ninguém, mais ninguém, nunca mais mais ninguém.
Só há uma pessoa, sempre será aquela pessoa, a única.

Sempre a mesma história, sempre o amor mais forte que sentimos, sempre aquele que mais nos desfez em pranto.

Mas este momento chega sempre, esta dor suprema, este cansaço esfomeado de dias melhores. E a dor de cabeça continua, e as horas não passam, e as imagens vêm às dezenas, e já a nostalgia a bater à porta de mão dada com o arrependimento. E lá vêm as dúvidas e a culpa. E brincamos, como brincam os adultos, com ironia, um pouco com a dor de cabeça, moldando-a como plasticina, dando-lhe uma forma bastante bizarra, algo de bastante decadente. E esquecemos-nos da forma original, e temos nas mãos um objecto completamente fantasiado, que não corresponde à sua essência.

E outros dez minutos, e a respiração volta ao normal, a dor de cabeça faz agora força nos olhos, mas as imagens são demasiado violentas, e não param de chegar às centenas. E de repente abrimos bem os olhos, olhamos para o vazio e uma luz surge, e o nosso corpo levita ligeiramente, e inundados em calma, porque as imagens desapareceram, chegamos a uma conclusão, a uma em que nem sequer acreditamos; eu mereço mais.

Que bela ilusão arranja a razão ao coração, sustendo os seus impulsos por instantes, pondo fim a uma guerra de cem anos, encontrando finalmente a paz e a motivação para fechar os olhos e simplesmente adormecer. Que gesto tão banal, adormecer? E o que é feito da minha dor de cabeça? Aquela que devia ser notícia em todo o mundo... Adormecer durante uma catástrofe? Porque não? Quando a catástrofe é uma fatalidade, que mais fazer se não esperar que acabe?

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