6 de fevereiro de 2019

Quando era pequena costumava pedir muitas vezes que a minha mãe morresse.
Coitada, não tinha nada contra ela.
Ela não me mandava arrumar o quarto, fazer os trabalhos de casa ou lavar os dentes.
A minha mãe era diferente. 
Comprava-me haagen dazs e recheava a dispensa com as bolachas de que mais gostava.
Fui das primeiras a ter telemóvel e televisão no quarto. A minha caderneta de cromos era sempre a mais preenchida.
E todavia lembro-me de muitas vezes fantasiar com a sua morte.
Imaginava-me a ser acolhida tão carinhosamente nos braços das minhas professoras, a ser levada para casa delas, para um lugar de amor.
Ali em casa eu já era grande. Era eu quem ditava as minhas próprias regras. Sabia a que horas tinha de me deitar para acordar bem, sabia por que ruas podia andar à noite. Conhecia o peso do dinheiro e comecei cedo a gastá-lo em coisas de grande. Assim comecei a querer mostrar a minha maturidade com um cigarro na boca e um copo na mão. O café veio logo a seguir, porque era assim que os adultos aguentavam no meio desta azáfama toda.
A anos luz de tudo isto só consigo estar chateada com a minha avó. Sei que também ela terá feito o melhor que sabia. Mas o melhor não foi bom e traduziu se no que a seguir se passou. Estou chateada por continuar a ouvi-la a responsabilizar toda a gente menos a ela. Somos todas umas estúpidas. Eu e a minha mãe sobretudo, e vamos morrer cedo e ela tinha razão.

1 comentário:

Anónimo disse...

Mães... sem manuais as coisas não devem ser fáceis. Quando era miúda também desejei a morte da minha mãe. Ironicamente as razões eram opostas às tuas: tinha que arrumar o quarto, não podia ficar na rua depois das 19h, tinha que ir para a cama às 21h (já com dentes lavados), primeiro estudar e só depois brincar, não tive telemóvel tão cedo e muito menos televisão no quarto... eram só regras e eu queria ser livre! Elaborei vários esquemas que ajudavam a dar-me pequenos momentos com sabor a liberdade, como ler debaixo dos lençóis, lutar contra o sono para ver televisão durante a noite (soube rapidamente o que era a pornografia) e até explorar a garrafeira do meu pai. Enfim, eu era um pequeno ser que lutava constantemente contra as regras de uma família tradicional e conservadora (e ainda luto).
Foi-me proporcionada a sensação de frustração várias vezes e a saúde mental agradece, mas qual foi o preço?
Não odeies a tua mãe e a tua avó, atenção que eu defendo que a família não é para se amar cegamente. Aliás, nada é. Só que as pessoas são todas "fucked-up". Tu és, eu sou, todos somos. Apesar de sermos criaturas fragmentadas pelo tempo, queremos sempre amar e desenvolver a próxima geração com sonhos e ideais que nós não conquistámos. E o que nos garante que o outro quer seguir os meus ideais? Nada garante mas poderei fazê-lo e esperar que não sonhe um dia com a minha morte. Se sonhar, espero que perceba que eu não sou nada mais que o defeito à procura da arte da perfeição.